O Facebook existe para que a indústria de produção e consumo do Eu possa se expandir
Em 1967, Debord criou a expressão "sociedade do espetáculo" para falar de um modo de vida no qual a relação entre as pessoas é mediada por imagens.
A vida só é real quando se torna imagem - "se não tem foto, não aconteceu"; e a imagem é mais real do que a vida: a "família margarina" é mais família que a nossa. A visibilidade passa a ser muito importante, porque ajuda a fazer as coisas acontecerem.
Na sociedade do espetáculo, aparecer é ter valor: "quem aparece é bom, e quem é bom, aparece". Embora a gente saiba que não é bem assim: há pessoas talentosas, competentes e generosas que não aparecem.
A equação aparecer=ser bom acaba tendo efeitos sobre o que sentimos que é bom e desejável, sobre o que nos torna felizes ou infelizes e sobre nossos valores.
Por isso, a necessidade de aparecer tem menos a ver com vaidade do que com o sentimento de existir aos olhos dos outros, de ser, ter valor e poder.
Programas como o Facebook e muitos outros recursos são desenvolvidos para que a indústria da produção e consumo de imagens do Eu possa se expandir. Tudo vai virando espetáculo. Paradoxalmente, até a intimidade. Isso nos ajuda a entender a autoexposição de adolescentes na net. Quando a necessidade de experimentar e testar limites, típica da adolescência, se junta à necessidade de aparecer o máximo possível, típica da sociedade do espetáculo, e ao fator tecnologia, a autoexibição se torna fenômeno cada vez mais frequente. O jovem tira a roupa diante da tweetcam para ser admirado por sua coragem e ousadia, atestada pelo "número de seguidores". E, quem sabe, tornar-se celebridade...
Isso não lhe parece tão arriscado, não tanto por imaturidade, mas porque o infinito da net é demais para sua (nossa) imaginação.
É difícil conceber que a imagem de seu corpo poderá ser acessada para sempre, a qualquer momento, por qualquer um, em qualquer lugar do planeta. É difícil pensar que a autoexposição não se limitará nem ao seu quarto, nem ao momento presente. Como calcular um risco que envolve outra noção de tempo e espaço?
A sociedade do espetáculo oferece novas formas de testar limites criando "ritos de passagem" que estamos começando a conhecer. A autoexposição adolescente nos deixa perplexos porque a transgressão, que sempre foi feita às escondidas, se tornou espetacular.
POR MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (Casa do Psicólogo)
Em 1967, Debord criou a expressão "sociedade do espetáculo" para falar de um modo de vida no qual a relação entre as pessoas é mediada por imagens.
A vida só é real quando se torna imagem - "se não tem foto, não aconteceu"; e a imagem é mais real do que a vida: a "família margarina" é mais família que a nossa. A visibilidade passa a ser muito importante, porque ajuda a fazer as coisas acontecerem.
Na sociedade do espetáculo, aparecer é ter valor: "quem aparece é bom, e quem é bom, aparece". Embora a gente saiba que não é bem assim: há pessoas talentosas, competentes e generosas que não aparecem.
A equação aparecer=ser bom acaba tendo efeitos sobre o que sentimos que é bom e desejável, sobre o que nos torna felizes ou infelizes e sobre nossos valores.
Por isso, a necessidade de aparecer tem menos a ver com vaidade do que com o sentimento de existir aos olhos dos outros, de ser, ter valor e poder.
Programas como o Facebook e muitos outros recursos são desenvolvidos para que a indústria da produção e consumo de imagens do Eu possa se expandir. Tudo vai virando espetáculo. Paradoxalmente, até a intimidade. Isso nos ajuda a entender a autoexposição de adolescentes na net. Quando a necessidade de experimentar e testar limites, típica da adolescência, se junta à necessidade de aparecer o máximo possível, típica da sociedade do espetáculo, e ao fator tecnologia, a autoexibição se torna fenômeno cada vez mais frequente. O jovem tira a roupa diante da tweetcam para ser admirado por sua coragem e ousadia, atestada pelo "número de seguidores". E, quem sabe, tornar-se celebridade...
Isso não lhe parece tão arriscado, não tanto por imaturidade, mas porque o infinito da net é demais para sua (nossa) imaginação.
É difícil conceber que a imagem de seu corpo poderá ser acessada para sempre, a qualquer momento, por qualquer um, em qualquer lugar do planeta. É difícil pensar que a autoexposição não se limitará nem ao seu quarto, nem ao momento presente. Como calcular um risco que envolve outra noção de tempo e espaço?
A sociedade do espetáculo oferece novas formas de testar limites criando "ritos de passagem" que estamos começando a conhecer. A autoexposição adolescente nos deixa perplexos porque a transgressão, que sempre foi feita às escondidas, se tornou espetacular.
POR MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (Casa do Psicólogo)